Poema: «Cristalizações» de Cesário Verde A Bettencourt Rodrigues, meu amigo.
Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros, Vibra uma imensa claridade crua. De cócoras, em linha os calceteiros, Com lentidão, terrosos e grosseiros, Calçam de lado a lado a longa rua.
Como as elevações secaram do relento, E o descoberto Sol abafa e cria! A frialdade exige o movimento; E as poças de água, como um chão vidrento, Reflectem a molhada casaria.
Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita, Disseminadas, gritam as peixeiras; Luzem, aquecem na manhã, Uns barracões de gente pobrezita E uns quintalórios velhos, com parreiras.
Não se ouvem aves; nem o choro duma nora! Tomam por outra parte os viandantes; E o ferro e a pedra - que união sonora! - Retinem alto pelo espaço fora, Com choques rijos, ásperos, cantantes.
Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços, Cuja coluna nunca se endireita, Partem penedos. Voam estilhaços. Pesam enormemente os grossos maços, Com que outros batem a calçada feita.
A sua barba agreste! A lã dos seus barretes! Que espessos forros! Numa das regueiras Acamam-se as japonas, os coletes; E eles descalçam com os picaretes Que ferem lume sobre pederneiras.
E neste rude mês, que não consente as flores, Fundeiam, como esquadra em fria paz, As árvores despidas. Sóbrias cores! Mastros, enxárcias, vergas! Valadores Atiram terra com as largas pás.
Eu julgo-me no Norte, ao frio - o grande agente! Carros de mão que chiam carregados, Conduzem saibro, vagarosamente; Vê-se a cidade, mercantil, contente: Madeiras, águas, multidões, telhados!
Negrejam os quintais; enxuga a alvenaria; Em arco, sem as nuvens flutuantes, O céu renova a tinta corredia; E os charcos brilham tanto que eu diria Ter ante mim lagoas de brilhantes!
E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos, Eu tudo encontro alegremente exacto, Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. E tangem-me, excitados, sacudidos, O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!
Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem De tão lavada e igual temperatura! Os ares, o caminho, a luz reagem; Cheira-me a fogo, a sílex, a ferragem; Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.
Mal encarado e negro, um pára enquanto eu passo; Dois assobiam, altas as marretas Possantes, grossas, temperadas de aço; E um gordo, o mestre, com ar ralaço E manso, tira o nível das valetas.
Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas! Que vida tão custosa! Que diabo! E os cavadores descansam as enxadas, E cospem nas calosas mãos gretadas, Para que não lhes escorregue o cabo.
Povo! No pano cru rasgado das camisas Uma bandeira penso que transluz Com ela sofres, bebes, agonizas; Listrões de vinho lançam-lhe divisas, E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!
De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca, Surge um perfil direito que se aguça; E ar matinal de quem saiu da toca, Uma figura fina, desmboca, Toda abafada num casaco à russa.
Donde ela vem! A actriz que tanto cumprimento E a quem, à noite, na plateia, atraio Os olhos lisos como polimento! Com seu rostinho estreito, friorento, Caminha agora para o seu ensaio.
E aos outros eu admiro os dorsos, os costados Como lajões. Os bons trabalhadores Os filhos das lezírias, dos montados: Os das planícies, altos, aprumados; Os das montanhas, baixos, trepadores!
Mas fina de feições, o queixo hostil, distinto, Furtiva a tiritar em suas peles, Espanta-me a actrizita que hoje pinto, Neste Dezembro enérgico, sucinto, E nestes sítios suburbanos, reles!
Como animais comuns, que uma picada esquente, Eles, bovinos, másculos, ossudos, Encaram-na, sanguínea, brutamente: E ela vacila, hesita, impaciente Sobre as botinas de tacões agudos.
Porém, desempenhando o seu papel na peça, Sem que inda o público a passagem abra, O demonico arrisca-se, atravessa Covas, entulhos, lamaçais, depressa, Com seus pezinhos rápidos, de cabra!
Publicado na Revista de Coimbra, no.1 1879 & Correspondência de Coimbra, 17 de Junho de 1879.
PERGUNTAS 1
Explique como dá conta do espaço e do tempo neste poema. Não acha que as duas categorias (espaço-tempo) se interrelacionam e são inseparáveis na dinâmica do poema? Justifique a resposta.
2 Aparecem aqui focados pelo menos três tipos sociais. 2.1 Baseando-se no texto, caracterize cada um desses tipos. 2.2 Dois deles são postos em contraste a partir de certa altura do poema. Quais as estrofes (ou versos) em que é notó- ria essa alternância contrastante? Justifique. 2.3 Qual desses tipos sociais merece a simpatia do poeta? Justifique a sua resposta. 3 Costuma dizer-se que Cesário Verde é «o poeta da cidade e do campo». E mesmo quando os poemas, como este,
focam a cidade, surgem sempre neles alusões saudosistas em relação ao campo. Releve do texto frases ou expressões que o demonstrem e procure deduzir delas os sentimentos do poeta em relação ao campo e à cidade.
4 Refira-se às principais características de linguagem e estilo, não esquecendo certas marcas de estilo queirosiano,
como o adjectivo, o verbo e o advérbio expressivos e o impressionismo de certas expressões.
5 Faça 0 estudo fónico da primeira estrofe (métrica, ritmo, rima) e diga se poderia aplicar às estrofes seguintes a
RESPOSTAS
1. Se 0 poeta observa os calceteiros a «calçar de lado a lado a longa rua», o primeiro espaço observado é a rua
por onde o poeta passeava. Este espaço vai-se alargando, ou vai deslizando aos olhos do poeta, estendendo-se já por toda a rua e pelo casario: «E as poças de água, coma um chão vidrento / Reflectem a molhada casaria.». Alarga-se ainda 0 espaço, quando surgem as peixeiras, os «(.) barracões de gente pobrezita / E uns quintalórios velhos com parreiras.». Por vezes, quase se nos esvai o espaço físico, porque 0 poeta faz vir ao de cima 0 seu espaço psicológico: «Não se ouvem aves, nem 0 choro de uma nora! (.) / E 0 ferro e a pedra - que união sonora! - Retinem alto pelo espaço fora, (.)). Foi como se o poeta tivesse fechado os olhos, para se recordar da suavidade do campo, em contraste com o rigoroso martelar dos calceteiros que agora ouvia.
Vejamos, no entanto, que é o tempo que acarreta consigo a mudança do espaço. Primeiro fazia frio («Faz frio»),
mais abaixo já esta bom («Bom tempo»). Há o primeiro e o depois, logo há o fluir do tempo que arrasta consigo a mudança do espaço físico e também do espaço psicológico do poeta. E é assim que alternam os pedreiros (calceteiros), partindo penedos (espaço físico), com a fantasia do poeta (espaço psicológico) a imaginar a dura condição dos trabalhadores, no seu aspecto e no seu vestuário. Há a mesma alternância de espaços (físico e psicológico) entre a observação invernal das árvores despidas e a associação, na mente do poeta, a «uma esquadra fundeada. mastros, enxárcias, vergas».
O espaço alarga-se ainda mais com uma panorâmica geral da cidade: «Vê-se a cidade, mercantil, contente: /
Madeiras, águas, multidões, telhados» e com a observação do céu a sofrer a influência cromática dos quintais: «Negre-jam os quintais ( . ) / o céu renova a tinta corredia».
Mas, se o espaço desliza em frente da câmara do poeta, 0 tempo também não pára. E aí estão os verbos de
aspecto durativo, e o uso sistemático do presente durativo a dar-nos a sensação do tempo a fluir: «Carros de mão chiam carregados», «negrejam os quintais». E, até ao fim do poema, os espaços físico e psicológico sucedem-se alternadamente no tempo, dando-nos, a nós leitores, a ilusão de vermos movimentarem-se, no ecrã, os lugares, as coisas e as pessoas.
2.1 O primeiro tipo social a aparecer no poema é o calceteiro, que se reveza, ao longo do texto, nas funções de
pedreiro e calceteiro. Neste tipo pode ser incluído também o valador (0 homem que abre as valas). Encarnam o traba-lho mais sujo, grosseiro e duro.
Surge, depois, o tipo das peixeiras, gente pobre, a quem a marcha parece moldar o próprio corpo («Em pé e per-
Finalmente aparece a actriz, a corista, elegante e pretensiosa, a destoar dos grosseiros e sujos trabalhadores.
2.2 Os pedreiros (os duros trabalhadores) são postos em contraste, alternadamente, a partir do verso 71. em que
«De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca» aparece o perfil da «fina» actriz. Note-se que ela surge no poema quando o poeta acaba uma fuga para o domínio da fantasia, em que justamente sentia com pena o sacrifício dos traba-lhadores: «(.) Assim as bestas vão curvadas! / Que vida tão custosa! Que diabo!». E, desde que aparece, esta figura de menina burguesa não mais deixa de contrastar, estrofe sim, estrofe não, com o duro pedreiro. De um lado o luxo, a leveza, a leviandade da burguesinha, do outro, o bruto esforço: «. Eu admiro os dorsos, os costados, / Como lajões (.)».
2.3. É evidente que a simpatia do poeta vai direitinha para os calosos trabalhadores, a ponto de, ele próprio,
encarnar a revolta que eles deveriam experimentar: «Que vida tão custosa! Que diabo!».
Sobre a burguesinha actriz abate-se, porém, a vara quase invisível da ironia, mas que não deixa de fustigar: «De
escuro (.) / Surge um perfil direito que se aguça; / E ar de quem saiu da toca, / Uma figura fina (. / Toda abafada num casaco à russa.». Atente-se no tom de ironia satírica que se desprende da palavra toca (em vez de casa) e da expressão «Toda abafada num casaco à russa». Esse sentido satírico ressalta mais claramente do facto de a figura estilizada da actriz surgir em contraste com as «bestas curvadas» dos pedreiros. Se é verdade que o poeta afirma fazer-lhe olhos bonitos («os olhos lisos como polimento») quando, à noite, vai ao teatro, a verdade é que tudo isto continua dentro do mesmo tom irónico. Em dado momento, a ironia parece dar lugar à crítica aberta e sarcástica, quando o poeta a imagina «nestes sítios suburbanos, reles!» e quando a põe a atravessar «covas, entulhos, lamaçais, com os seus pezinhos rápidos, de cabra» (notem-se o diminutivo irónico e o designativo de «cabra», carregados de conotações pejorativas).
3. Cesário Verde é o poeta do campo e da cidade. Tem muitos poemas sobre o campo em que tudo respira
liberdade, ar puro, alegria, saúde. Nos poemas da cidade, porém, sentimos no poeta «melancolia», «enjoo», «desejo absurdo de sofrer». Ora é nesta náusea citadina que o poeta sente por vezes necessidade de abrir as janelas sobre o campo.
Mas vamos ao texto. Entre a pobreza das peixeiras e o trabalho duro dos pedreiros (terceira e quarta estrofes)
aparecem «uns quintalórios velhos com parreiras», o que não chega para fazer o campo. E, por isso: «não se ouvem aves, nem o choro duma nora».
Depois de lançar a sua objectiva sobre a cidade mercantil, sobre as multidões, os telhados (oitava estrofe), o
poeta abre mais uma vez a sua janela sobre o campo, como que para matar um enjoo: «Negrejam os quintais (.) / 0 céu renova a tinta corredia; / (.) os charcos brilham (.) / (.) lagoas de brilhantes!». O poeta precisou desta lufada de ar campestre para se recompor, para se refrescar e continuar, depois, o seu passeio impressionistamente extrospec-tivo pela cidade: «Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. / (.) Cheira-me a fogo, (.) / Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura».
O campo funciona aqui como antítese da cidade. Esta antítese está enraizada numa antítese vivencial do poeta:
o campo é o passado (a infância), a cidade é o presente (a vida adulta). O campo é atracção, a cidade é repulsa.
Note-se que a sugestão do campo nasce sempre, no poema, da observação do trabalho das peixeiras e dos
pedreiros, «os filhos das lezírias». Nem uma única sugestão do campo tem origem na passagem da actriz, aliás grácil e elegante, pela objectiva do poeta.
O concretismo da poesia de Cesário Verde pode levar os mais desprevenidos a considerá-la prosaica.
Daí o falar-se tantas vezes do «prosaísmo» dos poemas de Cesário. Realmente aparecem nestes poemas inúmeros termos concretos, vazios, em si, de qualquer conteúdo poético. Destaquemos do texto: barracões, quintalórios, ferro, pedras, maços, calçada, barretes, regueiras, japonas, coletes, picaretes, pederneiras e muitos outros. Ora estes e outros substantivos concretos, que até aqui andavam arredados do lirismo, só aparentemente é que tornam prosaicos certos versos de Cesário Verde. Assim, barracões e quintalórios são termos concretos, mas eles funcionam como pontes para o mundo da fantasia, que conduz o poeta à recordação do campo; ferro, pedra, maços são objectos demasiadamente duros para o doce lirismo, mas eles funcionam coma símbolos do trabalho duro dos pedreiros. Isto basta para nos levar à compreensão de que o poeta visiona a realidade nua e crua (daí o concretismo), mas visioná-la é vê-la à sua maneira, e elevá-la ao campo da fantasia, e criar relações mentais entre essas realidades. A associação é uma das operações mentais mais importantes da poesia moderna e é nela que reside o maior fascínio dos poemas de Cesário Verde.
Assim, as árvores despidas (versos 31 a 33) são imediatamente transformadas numa esquadra fundeada, sem
movimento, sem vida, tal como as árvores no Inverno. É o jogo do real e do irreal, que a imaginação manobra, para prazer do poeta e dos leitores.
Tudo começa nos sentidos, há uma convergência de todos os sentidos para captar, sentir a realidade à medida
do poeta, e transferi-la, depois, para o domínio da imaginação (note-se a sinestesia): «Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. / E tangem-me, excitados, sacudidos, / o tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!». Veja-se o verso: «Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas». O poeta visionou os trabalhadores desumanamente carregados e logo a sua imaginação operou a associação com bestas de carga. Daí a expressão homens de carga (em lugar de desta-que, no começo do verso).
Examinemos a série de associações e a sucessão de imagens que se verificam na estrofe iniciada no verso 66.
Agora não estamos no espaço real, mas no espaço psicológico do poeta. Este começa por lançar uma espécie de grito de revolta: «Povo!». Depois, elevando-se imediatamente da realidade do «pano cru rasgado das camisas» dos trabalhadores, com «listrões de vinho», entra no campo da fantasia e imagina uma bandeira-estandarte daquelas vidas sofredoras. E, da realidade dos suspensórios, imagina também uma cruz nas costas dos pedreiros. Note-se o poder associativo, a passagem automática da realidade à imaginação: camisas rasgadas -> bandeira, vinho -> sacrifício (sangue) -> suspensórios -> cruz.
Há, nesta estrofe, um certo tom de revolta, expresso mesmo em tom declamatório, à maneira romântica. Veja-se ainda o poder associativo da expressão «toda abafada num casaco à russa», caracterizante do luxo
burguês da actriz. Analisemos, agora, o poder sugestivo do uso queirosiano do verbo, adjectivo e advérbio expressivos. Notemos, desde já, que também esta expressividade provém de processos associativos (sentidos conotativos), tão do agrado do poeta. Verbos expressivos: «Vibra uma imensa claridade»; «tangem-me, excitados, sacudidos, o tacto, a vista (.)» (note-se a expressividade do pronome me); «um perfil direito que se aguça»; «desemboca».
Adjectivos expressivos: «imensa claridade crua» (um antes, outro depois do substantivo, os dois com um misto
de objectividade e subjectividade); «os calceteiros (.) terrosos e grosseiros» (objectividade/subjectividade); «chão vidrento, molhada casaria» (visualismo); «gente pobrezita» (diminutivo de carinho); «choques rijos, ásperos, cantantes» (tripla adjectivação, em gradação ascendente de subjectividade); «rapagões morosos, duros, baços» (neste caso, a subjectividade já parece em gradação descendente); «fria paz» (note-se como um adjectivo, que vulgarmente traduz um dado objectivo, aqui se carrega de subjectividade); «tinta corredia» (visualismo); «os meus sentidos tan-gem-me excitados, sacudidos» (valor adverbial); «lavada e igual temperatura» (relação sinestésica); «altas as marretas possantes, grossas» (hipálage: as qualidades são transferidas dos pedreiros para as marretas); «E um gordo, o mestre, com um ar ralaço e manso» (a expressividade de «gordo», substantivado, vem do facto de poder considerar-se, ao mesmo tempo, causa e efeito do «ar ralaço e manso»); «calosas mãos gretadas» (um antes e outro depois do substantivo, visualismo impressionista: as mãos são o instrumento e o documento do suplício no trabalho); «rostinho estreito, friorento» (objectividade/subjectividade; notar o diminutivo irónico); «queixo hostil, distinto» (adjectivação antitética); «Neste Dezembro enérgico, sucinto, e nestes sítios suburbanos, reles» (hipálage); «Eles, bovinos, másculos, ossudos» (adjectivação múltipla, visualismo).
Advérbio expressivo: «pesam enormemente»; «carros de mão conduzem o saibro vagarosamente» (a conotar o
excesso de peso para um homem); «bruscamente» associado a «quem saiu da toca», deixa a sensação de um animal esquivo que à luz do dia está fora do seu ambiente); «encaram-na sanguínea, brutalmente» (a conotar o desejo instintivo, animal). Concluímos, portanto, que houve uma procura do melhor termo, uma escolha requintada de signos polivalentes, a abrirem o campo da imaginação.
A primeira estrofe é uma quintilha constituída pelo primeiro verso alexandrino (doze sílabas) e pelos
quatro restantes decassílabos. O esquema rimático é ABAAB, havendo portanto rima cruzada, interpolada e empare-lhada. De notar a predominância de rima rica. 0 esquema descrito aplica-se exactamente em todas as estrofes do poema.
A nível fónico há ainda a assinalar a presença muito frequente da aliteração: «Vibra uma imensa claridade crua
/ De cócoras, em linha os calceteiros».
A análise que se faz do poema pode levar-nos à conclusão de que se trata de uma obra-prima de Cesário Verde e
até da nossa literatura. O próprio poeta escreveu a respeito de «Cristalizações»: «São uns versos agudos, gelados, que o Inverno passado me ajudou a construir, lembram um poliedro de cristal e não sugerem, por isso, quase nenhuma emoção psicológica e íntima». De facto, a sugestão dada pelo Inverno (água gelada, cristais de neve) pode estar na origem do título do poema e do dinamismo imagístico do mesmo. Quanto ao facto de o poeta afirmar não haver «quase nenhuma emoção psicológica», julgamos que se deve entender a emoção à maneira romântica, porque, na realidade, há uma emoção intelectual sem a qual não se explicaria a rica imagística e o impressionismo quase simbolista do poema.
Digamos que a imaginação do poeta se apodera das diversas sensações captadas da realidade, criando núcleos
de associação, constelações de imagens - daí a razão do plural do título: «Cristalizações».
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